Introdução
A síndrome do intestino irritável (SII), também conhecida como cólon irritável ou colite nervosa ou espástica, é uma patologia mais relevante do que aparenta, pois afeta entre 10 a 20% da população mundial. A principal razão para ser pouco considerada deve-se ao facto de ser uma patologia que raramente tem consequências graves para a saúde, contudo, prejudica bastante a qualidade de vida de quem dela padece.
O que é a SII?
Embora esta patologia afete o ser humano provavelmente desde sempre, foi apenas a partir do século XIX que os sintomas comuns passaram a ser verdadeiramente reconhecidos como queixas gastrointestinais crónicas, o que permitiu identificar este conjunto de manifestações como uma doença: a síndrome do intestino irritável.
Esta síndrome ainda não é totalmente compreendida, mesmo com os avanços da ciência. Inicialmente, este transtorno foi considerado como puramente psicossomático, e ainda hoje é classificado como um distúrbio de interação intestino-encéfalo, até porque não foi encontrada uma causa anatômica em exames laboratoriais, exames de imagem e biópsias.
Esta perturbação do tubo digestivo origina uma grande diversidade de sintomas digestivos crónicos ou recorrentes, não havendo uma causa orgânica detetável. Para ser classificada como SII, os sintomas necessitam de prevalecer pelo menos por três meses sem evidências de uma patologia orgânica, segundo os critérios atuais.
Os sintomas mais comuns presentes nesta síndrome são:
- dor ou desconforto abdominal (geralmente tipo cólica, que melhora após a evacuação);
- distensão ou inchaço abdominal;
- flatulência;
- sensação de evacuação incompleta;
- muco nas fezes (em alguns casos).
Além destes sintomas, as alterações do trânsito intestinal (diarreia/obstipação) permitem classificar os subtipos da SII de acordo com o predomínio de:
- diarreia (SII-D);
- obstipação (SII-O);
- mista (SII-M).
A etiologia da SII é multifatorial e ainda não completamente compreendida. Entre os mecanismos sugeridos estão:
- a hipersensibilidade visceral, que resulta numa maior perceção da dor intestinal;
- alterações na motilidade do intestino;
- disbiose da microbiota intestinal;
- alterações no eixo cérebro-intestino, que refletem a complexa comunicação entre o sistema nervoso central e o sistema digestivo.
Estes fatores interagem frequentemente com condições psicológicas, como ansiedade e stress, que agravam os sintomas e a qualidade de vida dos doentes.
O tratamento convencional desta síndrome consiste na modificação da dieta e o uso de medicamentos para aliviar os sintomas (antiespasmódicos, laxantes, antidiarreicos). Além disso, associam-se terapias de natureza psicológica, de forma a ajudar o doente a lidar melhor com o stress e a ansiedade do dia a dia. Contudo, muitas vezes a resposta terapêutica é frequentemente insatisfatória, mantendo-se a doença ativa, com prejuízo para a qualidade de vida do doente.
A SII segundo a medicina chinesa
A Medicina Tradicional Chinesa (MTC) classifica a Síndrome do Intestino Irritável como um desequilíbrio energético de todo o aparelho digestivo, e não a interpreta como centrada apenas no intestino.
Na perspetiva da MTC, a SII surge geralmente a partir da disfunção do Baço-Pâncreas, órgão energético responsável pela vitalidade do aparelho digestivo no seu todo, sendo também responsável pela digestão e absorção dos alimentos.
Além disso, outros órgãos energéticos podem igualmente estar envolvidos, como o Rim e o Fígado, assim como o Shen (entidade energética que representa o mental e o emocional de cada indivíduo), que também podem interferir com o equilíbrio energético do aparelho digestivo.
Nesta doença (assim como em outras), os desequilíbrios causados por cada órgão energético não são exclusivos e podem coexistir, o que faz com que, geralmente, a SII tenha várias causas energéticas em simultâneo. É por isso que o tratamento através de MTC implica um diagnóstico individualizado, orientado pela observação dos sintomas, do pulso e da língua do paciente, de forma a compreender quais os desequilíbrios energéticos que levaram o doente a desenvolver esta doença intestinal, para assim se poder aplicar uma terapêutica que corrija as várias perturbações energéticas do organismo, tratando a doença.
Ou seja, cada doente será tratado através de uma via única, específica para a forma como a SII está enraizada no seu organismo. É por esta individualização da terapêutica que a MTC tem tanto sucesso a tratar esta doença intestinal.
Estudos científicos que abordam o tratamento da SII através da medicina chinesa
Nos últimos anos, a Medicina Tradicional Chinesa (MTC) tem sido alvo de um interesse crescente por parte da comunidade científica.
Milhares de estudos científicos têm sido publicados sobre a eficácia da MTC no tratamento de cerca de uma centena de patologias, muitos dos quais com resultados muito positivos, confirmando o quão competente a MTC pode ser como terapêutica complementar ou, em determinados casos, como via terapêutica principal.
Também a Síndrome do Intestino Irritável tratada por meio da MTC tem captado a atenção da comunidade científica, no sentido de compreender até que ponto a MTC pode tratar esta doença, aliviando os sintomas e melhorando a qualidade de vida dos pacientes.
Assim, vários estudos clínicos, ensaios controlados e meta-análises foram realizados para avaliar a eficácia da acupunctura, da fitoterapia e de outras terapêuticas que integram a MTC.
A título de exemplo, apresentamos o seguinte estudo científico, centrado na acupuntura: “Effect of Acupuncture in Patients With Irritable Bowel Syndrome: A Randomized Controlled Trial”, conduzido por Pei et al. e publicado no Mayo Clinic Proceedings, em junho de 2020. Trata-se de um estudo multicêntrico, randomizado e controlado, com 531 pacientes com SII, que comparou a eficácia da acupuntura com tratamentos farmacológicos convencionais para esta doença.
O estudo evidenciou que a acupuntura:
- reduziu significativamente mais os sintomas (média de 123,5 pontos na escala IBS-SSS) do que os medicamentos (94,7 pontos), com uma diferença estatisticamente significativa (p < 0,001);
- os benefícios da acupuntura mantiveram-se pelo menos por 12 semanas após o fim do tratamento;
- e nenhum efeito adverso grave foi registado.
Contudo, importa salientar que este estudo não foi cego, o que pode introduzir viés.
Ainda assim, concluiu-se que a acupuntura foi mais eficaz e duradoura do que os medicamentos utilizados para a SII, reforçando a ideia de que esta terapêutica pode ser eficaz no tratamento desta síndrome intestinal.
O ideal é a complementaridade nos cuidados de saúde
Na síndrome do intestino irritável, bem como nas outras patologias, a nossa posição é que o doente terá mais a ganhar recorrendo simultaneamente às duas vias de tratamento do que só a uma, com a MTC a atuar na raiz da doença de forma a possibilitar a sua remissão, se possível, e a medicina convencional a atuar de maneira mais imediata no controlo dos sintomas desta doença.
Conclusão
Sendo a síndrome do intestino irritável considerada uma doença crónica, a abordagem terapêutica convencional dedica-se fundamentalmente a cuidar dos sintomas, sem haver esperança de uma cura.
Mas a medicina chinesa não vê este tipo de doenças da mesma forma, pois a sua abordagem passa por tratar os desequilíbrios internos que estão na raiz da doença, podendo, desta forma, melhorar a disfunção do aparelho gastrointestinal que está a causar a SII. Desta maneira, é possível não só melhorar os sintomas (complementando a ação da medicina convencional), como a própria doença vai gradualmente ficando melhor, podendo, em certos casos, prevalecer sobre a doença a tal ponto que esta deixa de se manifestar.
Com isto, o paciente fica bem e recupera a sua qualidade de vida. E isto é o que realmente conta!
Referências bibliográficas:
PEI, L. et al. – Effect of acupuncture in patients with irritable bowel syndrome: a randomized controlled trial. Mayo Clinic Proceedings. [Em linha]. Vol. 95, n.º 6 (Jun. 2020), p. 1069–1083. [Consult. 28 mai. 2025]. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.mayocp.2020.01.027.
SABATÉ, Jean-Marc; TACK, Jan; MOREIRA, Pedro Costa – Manual de avaliação diagnóstica no Síndrome do Intestino Irritável (SII). [Em linha]. Lisboa: Biocodex Microbiota Institute, 2023. [Consult. 28 mai. 2025]
ARAÚJO, João Pedro – Intestino irritável – abordagem diagnóstica e terapêutica. Dissertação de mestrado em Medicina. Lisboa: Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, 2017. [Consult. 28 mai. 2025]